Os rondonopolitanos foram surpreendidos neste final de semana ao irem às compras em supermercados: estavam obrigados a apresentar a carteira de vacinação contra a Covid-19 para terem acesso aos estabelecimentos. A medida, que integra o decreto municipal mais recente, é fruto da última reunião do Comitê de Enfrentamento à Pandemia do Novo Coronavírus.
Vacinação obrigatória já existe, há um bom tempo, em boa parte de mundo. Desde o surgimento dos imunizantes, ainda no século XIX, governos se sucederam em editar normas que impusessem às suas populações a obrigatoriedade de se imunizar. Naturalmente, jamais se viu uma pessoa ser constrangida fisicamente a vacinar-se. A vacinação era imposta por meio do cerceamento de direitos do cidadão.
É assim que, por exemplo, países passaram a exigir o comprovante de vacinação para algumas endemias para a concessão de visto de visitante ou para imigração; a negar pedidos de asilo por perseguição política àqueles que, podendo, deixavam de se vacinar.
Estamos falando de uma sociedade que iniciava a revolução industrial, predominantemente rural e sem qualquer acesso a meios de comunicação em massa. Crendices e superstições “guiavam” as pessoas em suas atividades diárias. A ciência, satanizada, era vista com preconceito e desconfiança. Para uma população assim, necessárias eram medidas drásticas que as conduzissem ao caminho do bom senso e da razoabilidade.
É realmente triste verificarmos as mesmas crendices e superstições marcarem a fala e o comportamento de parte da população nos dias atuais. As fake news, propagadas à exaustão por redes sociais sem qualquer responsabilidade ou compromisso com o jornalismo profissional, incrementam exponencialmente o medo dos imunizantes que a ciência tem anunciado.
E, uma vez que a imunização coletiva é, cientificamente, o quadro mais apropriado para a contenção do contágio do vírus, a obrigatoriedade de vacinação vem como medida extrema imposta pelos governos.
Já somos obrigados a muitos comportamentos. Como exemplo, cite-se o comparecimento à sessão de votação quando das eleições regulares. Não somos obrigados a votar, de fato, mas temos que ali comparecer, ainda que seja para justificar o voto. Caso não obedeçamos a este comando legal, sofremos várias sanções, como a impossibilidade de tirar o passaporte, de participar de concursos públicos e até multa.
Tais penas administrativas, conduto, nem se comparam em gravidade com a esdrúxula medida de impedir um cidadão de ir e vir, especialmente para realizar as compras de insumos essenciais à sua subsistência, como fez o prefeito Zé do Pátio em seu último decreto. Para além da discussão jurídica que repousa sobre a questão, verifica-se no caso, verdadeiro flerte com o autoritarismo.
O direito de ir e vir e o de prover sua casa e família de alimentos que bastem à subsistência são absolutamente inalienáveis. E impedir uma pessoa de ir ao mercado por não querer se vacinar é medida inócua e provocativa. Inócua porque o não vacinado, em tese, não poderia oferecer risco maior que um vacinado. Ambos carregam o vírus e podem, por isso, transmiti-lo. Provocativa porque, na esteira do “Dorismo”, Zé do Pátio chama para a briga os defensores da liberdade. Parece ser esse mesmo o que motiva o prefeito.
Nem se fale, ademais, do perigoso precedente que se abre na questão da interferência dos governos sobre a vida dos cidadãos. Hoje, somos proibidos de ir ao mercado se não nos vacinarmos. Amanhã, tal medida extrema será usada para qual intuito do governante que, em um decreto municipal, afronta a Carta Magna e todos os direitos e garantias individuais ali encetados?
Volte à sobriedade, prefeito, e revogue esse decreto esdrúxulo e autoritário.